17.1.18

A VIOLAÇÃO DOS DIREITOS DAS CRIANÇAS NO PROGRAMA SUPERNANNY DA SIC


Porque me parece ser de extrema importância, abaixo transcrevo na integra um texto duma Psicóloga.
"Quando soube que este programa viria para Portugal, calculei que não fosse algo positivo mas resolvi aguardar pelo primeiro episódio para perceber melhor o formato.
É com muita TRISTEZA que verifico que uma colega de profissão aceitou fazer parte deste programa e queria desde já deixar explícito que a sua conduta não representa a nossa classe profissional. Não só estão a ser violados os direitos mais fundamentais das crianças, como a postura desta profissional em nada se assemelha ao trabalho que é feito pelos profissionais de psicologia no seu contexto laboral. Para além disto, as estratégias dadas no programa não estão em conformidade com tudo o que já se sabe sobre desenvolvimento infantil. São completamente ANTI-PEDAGÓGICAS e resultantes de uma época em que na ciência prevalecia o behaviourismo, que passa por educar crianças com recurso ao condicionamento, como se de animais amestrados se tratassem. Ainda são estratégias muito comuns na nossa sociedade, por desconhecimento, sendo natural a sua utilização por parte da população. Contudo, é inadmissível que um profissional, que tem recurso à literatura actual e científica, as partilhe como sendo válidas e positivas.
Começando pela violação dos direitos das crianças, e porque é preciso chamar as coisas pelos nomes, expor um menor e as suas fragilidades ao mundo inteiro é um ABUSO à sua integridade psicológica. No mundo das audiências e da popularidade, há limites que não podem ser ultrapassados e quando o são é importante que se aja em conformidade e que não sejamos todos cúmplices dos maus tratos dirigidos a uma criança. As crianças são responsabilidade dos pais mas não são propriedade destes, pelo que cabe aos pais, e também aos adultos em geral, zelar pela sua protecção. Dar autorização para expor uma criança desta forma num programa televisivo é grave, indecente e não retira a responsabilidade do abuso. Neste sentido, vou pedir à Ordem dos Psicólogos que se pronuncie sobre este assunto e farei igualmente uma exposição à Entidade Reguladora da Comunicação e à Procuradoria Geral da República (quem quiser fazer o mesmo, deixarei um link no primeiro comentário deste post com as indicações dadas pela Academia da Parentalidade Consciente).
Em relação às estratégias, assistiu-se a uma tentativa de resolução dos problemas daquela família com base na observação directa e superficial dos comportamentos da criança. Todos os comportamentos negativos de uma criança expressam uma necessidade que não foi satisfeita e o que a psicóloga fez foi apenas olhar para a ponta do icebergue. Em nenhum momento foram consideradas origens mais profundas quanto às dificuldades daquela criança em tolerar a frustração. A profissional remeteu tudo para a falta de regras e de limites e para a incoerência materna (e isso qualquer um faz quando dá palpites desinformados). Quando um psicólogo atende uma família, precisa de ter uma perspectiva muito mais abrangente do historial da mesma, nomeadamente tendo em mãos vários aspectos da vida da criança desde o seu nascimento e nunca simplificando o comportamento da criança a uma simples relação de causa-efeito. O que a psicóloga fez, sendo conivente com o formato do programa, foi reduzir toda a vida emocional daquela criança a estratégias de punição e recompensas, como se de um penso rápido se tratasse e como se umas ofertas e uns castigos resolvessem toda a complexidade da situação.
Como é óbvio, depois das câmaras desligadas, aquela criança continuará a ter os seus problemas, porque estes não desaparecem por artes mágicas de uma salvadora de pais que toca à campainha dos mesmos. O público assiste a esta ideia de que tudo se resolveu, porque o programa precisa de vender e de se auto-legitimar. Passou a mensagem de que a criança se "recompôs" mas a única coisa que aconteceu foi uma criança que no meio da humilhação que o próprio programa representa, cedeu e conformou-se. A raiva interior, a instabilidade emocional e as repercussões de estratégias que não vão ao fundo do problema e que apenas servem para varrer emoções para baixo do tapete, continuarão lá e irão revelar-se mais tarde ou mais cedo.
A mãe desta criança vai perceber isso entretanto e espero que nessa altura procure ajuda profissional efectiva, na intimidade e privacidade da sua família, sem soluções milagrosas e sobretudo tendo em perspectiva a sanidade mental da sua filha a longo prazo. Os cantinhos do pensamento e as recompensas têm efeito apenas a curto prazo e não ensinam a criança a gerir as suas emoções e a ser responsável pelos seus comportamentos. O que eu vi naquela programa foi uma criança com imensas carências que não foram preenchidas e uma criança que desesperadamente procura a atenção da mãe com comportamentos desadequados. Vi também uma mãe bastante perdida que depositou toda a sua confiança em pessoas que se aproveitaram da sua fragilidade e que provavelmente não tem noção das consequências que tudo isto traz a si e à sua filha.
Por último, não posso deixar de comentar a altivez e a atitude de autoritarismo e superioridade da psicóloga, desde as suas expressões verbais como não verbais, criando esta ideia de que um psicólogo é um ser mais iluminado e competente que aqueles que atende. Quando se recebe uma família, é importante ter-se a humildade suficiente para não nos considerarmos uma autoridade inquestionável. Devemos estar ao mesmo nível da família e de criar uma aliança de igual para igual, tendo empatia e compaixão pelas batalhas que trava e nunca com uma atitude de julgamento e de crítica destrutiva. Confrontar pode ser necessário e isso é algo que pode e deve ser feito sem olhares sobranceiros, reprovadores e de humilhação. Todos temos telhados de vidro e nenhum profissional gostaria que, na sua vida pessoal, fizessem consigo o que ali foi feito com aquela família. A certa altura, a psicóloga aconselha a mãe a não bater na filha porque isso humilha a criança, sendo que a profissional nem se apercebe que está ela a própria a fazê-lo de forma implacável, a partir do momento em que acha razoável a criança ser exposta desta forma ao país. Com a postura condescendente e de esmola, de que está ali para a ajudar, cega-se assim o público do programa.
Espero sinceramente que algo seja feito e que as crianças que estão previstas aparecerem futuramente neste programa possam merecer a protecção que esta criança não teve. E que todos os que reconhecerem esta criança na rua, tenham muita compaixão por aquilo a que foi exposta, sem interferirem com a sua dignidade.
Espero também que as pessoas saibam que não é assim que um psicólogo que cumpre um código deontológico, mas sobretudo que cumpre um papel de humanização, trabalha com os seus pacientes. Não me revejo e estou segura de que a maior parte dos profissionais não se revêm no que se observou neste programa."
Ana Rita Dias - Apoio Psicológico Online 

Sem comentários: