Copiado com a devida autorização ao João Hermano 
É simplesmente desmoralizante. Ver e ouvir os serviços de 
notícias das três ou quatro estações de televisão é pena capital. A 
banalidade reina. O lugar-comum impera. A linguagem é automática. A 
preguiça é virtude. O tosco é arte. A brutalidade passa por emoção. A 
vulgaridade é sinal de verdade. A boçalidade é prova do que é genuíno. A
 submissão ao poder e aos partidos é democracia. A falta de cultura e de
 inteligência é isenção profissional.
       Os serviços de 
notícias de uma hora ou hora e meia, às vezes duas, quase únicos no 
mundo, são assim porque não se pode gastar dinheiro, não se quer ou não 
sabe trabalhar na redacção, porque não há quem estude nem quem pense. Os
 alinhamentos são idênticos de canal para canal. Quem marca a agenda dos
 noticiários são os partidos, os ministros e os treinadores de futebol. 
Quem estabelece os horários são as conferências de imprensa, as 
inaugurações, as visitas de ministros e os jogadores de futebol.
 
      Os directos excitantes, sem matéria de excitação, são a jóia de 
qualquer serviço. Por tudo e nada, sai um directo. Figurão no aeroporto,
 comboio atrasado, treinador de futebol maldisposto, incêndio numa 
floresta, assassinato de criança e acidente com camião: sai um directo, 
com jornalista aprendiz a falar como se estivesse no meio da guerra 
civil, a fim de dar emoção e fazer humano.
       Jornalistas em 
directo gaguejam palavreado sobre qualquer assunto: importante e humano é
 o directo, não editado, não pensado, não trabalhado, inculto, mal dito,
 mal soletrado, mal organizado, inútil, vago e vazio, mas sempre dito de
 um só fôlego para dar emoção! Repetem-se quilómetros de filme e horas 
de conversa tosca sobre incêndios de florestas e futebol. É o reino da 
preguiça e da estupidez.
       É absoluto o desprezo por tudo 
quanto é estrangeiro, a não ser que haja muitos mortos e algum 
terrorismo pelo caminho. As questões políticas internacionais quase não 
existem ou são despejadas no fim. Outras, incluindo científicas e 
artísticas, são esquecidas. Quase não há comentadores isentos, ou 
especialistas competentes, mas há partidários fixos e políticos no 
activo, autarcas, deputados, o que for, incluindo políticos na reserva, 
políticos na espera e candidatos a qualquer coisa! Cultura? Será o 
ministro da dita. Ciência? Vai ser o secretário de Estado respectivo. 
Arte? Um director-geral chega.
       Repetem-se as cenas 
pungentes, com lágrima de mãe, choro de criança, esgares de pai e 
tremores de voz de toda a gente. Não há respeito pela privacidade. Não 
há decoro nem pudor. Tudo em nome da informação em directo. Tudo 
supostamente por uma informação humanizada, quando o que se faz é 
puramente selvagem e predador. Assassinatos de familiares, raptos de 
crianças e mulheres, infanticídios, uxoricídios e outros homicídios 
ocupam horas de serviços.
       A falta de critério profissional,
 inteligente e culto é proverbial. Qualquer tema importante, assunto de 
relevo ou notícia interessante pode ser interrompido por um treinador 
que fala, um jogador que chega, um futebolista que rosna ou um adepto 
que divaga.
 Procuram-se presidentes e ministros nos corredores 
dos palácios, à entrada de tascas, à saída de reuniões e à porta de 
inaugurações. Dá-se a palavra passivamente a tudo quanto parece ter 
poder, ministro de preferência, responsável partidário a seguir. Os 
partidos fazem as notícias, quase as lêem e comentam-nas. Um pequeno 
partido de menos de 10% comanda canais e serviços de notícias.
   
    A concepção do pluralismo é de uma total indigência: se uma notícia 
for comentada por cinco ou seis representantes dos partidos, há 
pluralismo! O mesmo pode repetir-se três ou quatro vezes no mesmo 
serviço de notícias! É o pluralismo dos papagaios no seu melhor!
       Uma consolação: nisto, governos e partidos parecem-se uns com os outros. Como os canais de televisão.
 
