Juan
Guaidó autoproclamou-se esta quarta-feira Presidente interino da
Venezuela, perante milhares de pessoas concentradas em Caracas.
“Levantemos
a mão: Hoje, 23 de janeiro, na minha condição de presidente da
Assembleia Nacional e perante Deus todo-poderoso e a Constituição, juro
assumir as competências do executivo nacional, como Presidente
Encarregado da Venezuela, para conseguir o fim da usurpação [da
Presidência da República], um Governo de transição e eleições livres”,
declarou.
Para Juan Guaidó, “não se trata de fazer nada paralelo”, já que tem “o apoio da gente nas ruas”.
O
engenheiro mecânico de 35 anos tornou-se rapidamente o rosto da
oposição venezuelana ao assumir, a 03 de janeiro, a presidência da
Assembleia Nacional, única instituição à margem do regime vigente no
país.
Nicolás Maduro iniciou a 10 de
janeiro o seu segundo mandato de seis anos como Presidente da Venezuela,
após uma vitória eleitoral cuja legitimidade não foi reconhecida nem
pela oposição, nem pela comunidade internacional.
A
15 de janeiro, numa coluna de opinião publicada no diário
norte-americano The Washington Post, Juan Guaidó invocou artigos da
Constituição que instam os venezuelanos a rejeitar os regimes que não
respeitem os valores democráticos, declarando-se “em condições e
disposto a ocupar as funções de Presidente interino com o objetivo de
organizar eleições livres e justas”.
Os
Estados Unidos, o Canadá, a Organização dos Estados Americanos (OEA), o
Brasil, a Colômbia, o Peru, o Paraguai, o Equador, o Chile e a Costa
Rica também já reconheceram Juan Guaidó como Presidente interino da
Venezuela.
Até agora, só o México anunciou que se mantém ao lado de Nicolás Maduro.
A
Venezuela enfrenta uma grave crise política e económica que levou 2,3
milhões de pessoas a fugir do país desde 2015, segundo dados da ONU.
Esta crise num país outrora rico, graças às suas reservas de petróleo, está a provocar carências alimentares e de medicamentos.
De acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), a inflação deverá atingir 10.000.000% em 2019.
Comunicado nº 06/2019
São Paulo, 24 de janeiro de 2019
Breno Altman: "Elite parasita e corrupta comanda o golpe na Venezuela"
Interesses econômicos dos EUA nas riquezas naturais ajuda a entender o "ódio" a Maduro dentro e fora do país
A
crise política e econômica enfrentada pelo presidente Nicolás Maduro na
Venezuela foi provocada pela conjugação de interesses entre os Estados
Unidos e seus aliados, de olho nas riquezas minerais do país, e a
própria burguesia venezuelana. Essa é a interpretação de Breno Altman,
jornalista e fundador do portal Opera Mundi, sobre a tentativa de golpe
registrada nesta quarta-feira (23). Para ele, as manobras dos últimos
dias não têm o objetivo de fortalecer a democracia.
Altman
classifica a elite venezuelana como “parasita” e “corrupta”, acostumada
a viver da renda do petróleo e do desvio de dinheiro público. Em
relação ao reconhecimento do governo autoproclamado de Juan Guaidó pela
diplomacia brasileira, o jornalista aponta que o bolsonarismo faz um
"jogo de subserviência" aos EUA e, ao mesmo tempo, aproveita-se para
atacar os setores progressistas do Brasil – que manifestaram apoio ao
governo Maduro.
Confira os principais momentos da entrevista:
Brasil de Fato: O que motiva a pressão internacional sobre a Venezuela?
Breno Altman: São
duas razões fundamentais que mobilizam os EUA e seus aliados na questão
venezuelana. A principal é o controle das riquezas naturais,
principalmente do petróleo, mas também do gás e do ouro. Cada vez mais,
essas riquezas naturais são fundamentais para o desenvolvimento do
capitalismo. Portanto, ter o controle, através das suas corporações, é
um elemento essencial para o crescimento da lucratividade do
capitalismo.
A
segunda razão é geopolítica. O mundo assiste hoje a uma crescente
polarização entre EUA e China. Os americanos [estadunidenses] estão se
posicionando para se defender do avanço da economia chinesa pelo mundo.
E como a Venezuela se encaixa nessa nova configuração geopolítica?
O
espaço fundamental dessa disputa hegemônica [entre EUA e China]
acontece justamente na Venezuela. É um país de grande importância na
América do Sul, por suas riquezas naturais e pelo seu papel estratégico
na disputa por hegemonia.
Mesmo
depois de uma ofensiva conservadora que já dura mais de dez anos, que
conseguiu derrubar os governos progressistas no Brasil, na Argentina e
em outros países, a Venezuela é um bastião de resistência contra a
hegemonia americana na América do Sul. E é também um país aliado da
China e da Russia. É por isso que os EUA querem derrubar o governo
Maduro.
Qual é a "cara" da oposição ao governo de Nícolas Maduro?
Os
principais quadros da oposição conservadora da Venezuela vêm das
elites, da burguesia e das camadas médias altas. Ela é uma burguesia
parasitária, ou seja, parasita ao redor do petróleo.
A
atividade da burguesia, desde que o petróleo passou a ser a principal
atividade econômica do país, é a importação e a exportação. Ela se
apropria dos recursos do petróleo, importa bens e vende esses bens no
mercado interno.
O
termo que se usava antigamente para definir isso era uma "burguesia
compradora". É uma burguesia que não está comprometida com o
desenvolvimento do país, com a industrialização, com nada disso. Ela
parasita na renda do petróleo. Como, a partir do governo Hugo Chavez,
esse parasitismo foi interrompido, foram fechados os dutos pelos quais a
renda do petróleo passava para a burguesia parasitária da Venezuela,
isso gerou uma oposição tremendamente raivosa.
Como se deu esse processo?
O
chavismo tirou o “ganha-pão” de parte expressiva das classes dominantes
e da classe média alta. Porque essa transmissão da renda do petróleo
para a burguesia se dava por meios legais e ilegais. Por contratos
superfaturados da PDVSA com empresas capitalistas, parte destes
contratos era fraudada.
A
Venezuela chegou a ser um dos países com o maior número de fundações do
mundo. O que eram essas fundações? Um grupo de ricos de um determinado
bairro criava uma fundação com foco em uma determinada ação social,
recebia da PDVSA dez milhões de dólares para essa fundação e colocava um
milhão em algum "projetinho" e embolsava nove milhões de dólares. Era
esse o mecanismo que existia por lá.
Nas
últimas 25 eleições, desde 1998, o chavismo venceu 23 e perdeu duas só.
A maioria população do país apoia o projeto socialista?
Sim,
o chavismo construiu uma maioria sólida ao longo de vinte anos. É
evidente que a crise econômica afetou essa maioria. Houve um abalo em
2015, quando perdeu a maioria para a Assembleia nacional, mas ainda
assim o chavismo tem conseguido manter, não uma maioria sólida como
antes, mas uma maioria relativa.
Levando-se
em conta as sanções internacionais, a pressão midiática, a sabotagem, a
guerra econômica e todas as outras dificuldades, considerando todas as
medidas de desestabilização às quais foram submetidas o chavismo e o
governo Nicolás Maduro, ter mais da metade do país apoiando o Maduro é
um ativo político extraordinário.
Qual o papel da assembleia nacional venezuelana nesta manobra de golpe?
É
o papel central. A estratégia do golpismo na Venezuela, desenhada pela
Casa Branca, é a instituição do governo interino a partir do único foro
controlado pela direita, que é a Assembleia Nacional.
A
tese do golpe passa por criar uma institucionalidade que possa
funcionar como uma ferramenta para dividir as Forças Armadas, para então
abrir espaço para o chamado “apoio internacional”.
A
Assembleia Nacional é a fonte da institucionalidade deste governo
interino autoproclamado, que passa a receber o apoio dos países que são
inimigos do chavismo. E também pode vir a receber os fundos venezuelanos
que estão congelados nos EUA. O Trump pode decidir que o governo
interino é o legítimo controlador desses fundos financeiros e transferir
para a Assembleia Nacional a gestão dos fundos que foram congelados
como parte das sanções contra o governo Maduro.
E qual poderia ser a consequência disso?
Esses
fundos podem ser usados, por exemplo, para a Assembleia financiar as
suas próprias Forças Armadas. Em uma situação de conflito, com levante
de quartéis, com o início de um cenário de guerra civil, este governo
interino pode pedir apoio internacional e a OEA (Organização dos Estados
Americanos) poderia enviar uma das suas famosas missões de paz – que
outra coisa não é do que intervenção estrangeira. Sob um manto de missão
de paz, poderiam então agregar um determinado número de países, para
estabelecer uma força de intervenção para derrubar o governo Maduro.
O
governo brasileiro reconheceu rapidamente o governo autoproclamado na
Venezuela. Que interesse pode haver por trás desse movimento?
Isso
faz parte do projeto do "bolsonarismo" de alinhamento automático com o
Departamento de Estado Norte-Americano. O Bolsonaro acredita que, quanto
mais próxima, íntima e carnal for a sua aliança com os EUA, mais fácil
para que os fluxos internacionais de capital venham para o Brasil.
A
lógica é de uma dependência estrita aos centros capitalistas mundiais, e
a solidariedade aos interesses americanos é fundamental. Um segundo
elemento a ser levado em conta é que esse alinhamento contra o governo
legítimo da Venezuela faz parte da guerra política, ideológica e
cultural que o bolsonarismo faz dentro do Brasil contra as forças
progressistas. De certa maneira, o governo Bolsonaro mira o governo
Nicolás Maduro para acertar a esquerda brasileira.
Link da matéria:
https://www.brasildefato.com.br/2019/01/24/breno-altman-elite-parasita-e-corrupta-comanda-o-golpe-na-venezuela/